quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Escrever é nobre. E este é um dos meus textos preferidos do mestre Ricardo Kotscho

"Ganhe" dois minutos lendo isso. Não achei na internet, passei do livro que li para cá. Já fazem dois anos e nunca esqueci. 
"A família Lima mora na favela Cinco de Julho, em São Mateus, a meia hora de carro do centro de São Paulo. É aqui, nesta casa de dois cômodos, escura mesmo de dia, sem água há meses por falta de pagamento, sem gás para o fogão por falta de dinheiro, que terminam todas essas histórias de recessão, desindexação, carta de intenções com o FMI, reaquecimento da economia, balanço de pagamentos, recorde de exportações, inflação, nível de emprego, e tudo o mais que a família Lima pode não entender direito, mas sofre na carne.
Há quatro meses, a família Lima passa fome, literalmente. A mulher, Ana Maria Rocha de Lima, 34 anos, paulistana, está desempregada desde outubro do ano passado. Em dezembro, chegaria a vez do seu marido, José Luis Souza Lima, 38 anos, paulista de Cravinhos, laminador de fibras de vidro.
[...] Se trabalhando já estava difícil, imagina agora", diz Ana Maria.
[...] Como é ter fome, o que você sente quando quer comer e não tem nada em casa? Envergonhada como o pai, Claudilene, 8, fala baixinho: "Eu fico quieta...quando dá fome, eu sinto tontura..."
A mãe ouve e começa a chorar, o pai vira o rosto e fica olhando para o vazio. "Pior é a Claudinéia... Quando chega uma certa hora e ela vê que ninguém vai para o fogão, não vê panela, senta ali naquela cadeira e chora, e chora. Tem vez que eu vou pedir ajuda pros vizinhos. Sempre tem aquele que tem um pouco a mais e reparte. Um dia ou outro já dá pra fazer isso, mas todo dia não dá, porque eu sei que todo mundo tá com a vida dura também."
[...] Qual seria o grande sonho dessa família, o que eles fariam com o dinheiro, se amanhã, por uma bondade do destino e dos tutores da Nação, José Luís e Ana Maria arrumassem um emprego? A pequena Claudilene responde antes dos pais: " A gente comprava bastante comida, né mãe?..."
( A fome tem nome - Folha de São Paulo, 28 de maio 1984)
Quando a matéria saiu, ofereceram a José Luis e Ana Maria não apenas um, mais vários empregos. A casa deles ficou abarrotada de comida e roupas - tanto, que eles dividiram as oferendas com os vizinhos. Algumas dezenas de pessoas e empresas descobriram que havia gente passando fome na cidade - e, embora não conste em nenhum manual de Jornalismo que o repórter tem, entre outras, função de acabar com a fome, sempre é bom poder ajudar alguém com aquilo que a gente escreve. Ricardo Kotscho).
Se um dia, eu escrever perto disso, já valeu a pena a escolha. Para todos os Jornalistas de alma que conheço e estão desanimados com os rumos da Comunicação. Escrever é nobre.

Um comentário:

  1. Escrever é nobre, mas dói, cansa e exige sacrifícios. Não é para os fracos de mente e coração, nem para jornalistas escravos do lead. Grande Kotscho, com quem tive a honra de dividir umas brejas e um parto de frios numa noite quente...

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