quarta-feira, 1 de abril de 2015

"Elimine a causa que o efeito cessa"

Quando eu tinha 16 anos, fumava cigarro na escola porque aquilo era malandragem. Não tinha medo de briga. Encarava as pessoas, respondia, era meio revoltada (minha mãe que diz). Andava com gente que roubava "goró" no mercado para diversão de sexta-feira. E achava irado. Um dia quis fazer igual.

Sendo malandra, peguei um saquinho de confete de chocolate e coloquei no bolso.Uau, maior adrenalina. Mas, de repente lembrei da minha mãe. Lembrei do meu pai que já tinha morrido, mas naquele momento parecia materializado ali do meu lado e muito bravo. Vi o segurança na porta. Dei meia volta e coloquei minha malandragem de volta na prateleira. Não consegui.

Com 16 anos, não me lembro de medir as consequências, de saber o que sei hoje, nem de pensar que um dia enxergaria o mundo do jeito que hoje enxergo. Antes voltava sozinha de madrugada para casa com capuz na cabeça para acharem que eu era "perigosa" e não mexerem comigo. Hoje, não saio de casa sozinha tarde da noite nem que a tal vaca tussa. Têm-se muita coragem nesta idade. Isto é bom e ruim. 

Com 16 anos não me lembro de ter personalidade bem formada e de ser até "maria vai com as outras", às vezes. Lembro das atitudes que tive em certas ocasiões e que hoje não faria igual de jeito nenhum. Lembro que responsabilidade e cuidado não eram sinônimos que faziam muito sentido e de achar legal um monte de coisa que só agora eu sei que não são tão legais assim. E não digo de responsabilidade em relação ao trabalho, porque já trabalhava nessa época. Digo dessa coisa de pensar no que se faz.

Roubou um carro (sem vítimas), se arrependeu e decidiu dar outro rumo à vida. Entrou para a carreira militar. Mas, um ano depois descobriram o que ele tinha feito. Merecia uma segunda chance? Foi preso e sabe-se lá o que houve com ele.                                
Com 16 anos, na boa, é mais digno assumir que não sabíamos nada da vida. Você lembra como você era? Passei pela adolescência sem consequências graves de fato. Só que eu tive mãe. Tive família e amor. Tive tempo de aprender. Tive amigos que tiveram isso tudo também, mas caíram mesmo assim. E tive outros que mesmo sem nada disso, andaram na linha. Questão de caráter, talvez. De "toda regra ter exceção".

Uma das coisas que aprendi também é a velha máxima "se coloque no lugar dos outros". Tão clichê e tão pouco usado. Morando na lama, convivendo com a miséria, nãos tão doloridos e tão cedo,  eu confesso que não sei como lidaria com isso, ainda mais no furor da juventude. Vejo gente que tem tudo e fica revoltado com o preço do dólar (e com bem mais de 16 anos). Imagina a quem é negado o básico de todo o dia? É muito motivo pra ficar puto, não é? Me pego ficando por menos. Você não?

As chances dessa criança na vida são as mesmas de quem estudou digamos, na Escola Americana?
Nos países em que a educação funciona e a desigualdade já quase não existe, a violência também é quase nula. Já naqueles onde a desigualdade social é gritante, a violência também é. Não é coincidência. É fato. E é tão cansativo citar isso de novo... Para que eu vou roubar se eu tenho? Para que correr o risco de ser preso, se não me falta? (Os políticos não se questionam assim, com certeza).

Crimes deveriam ser julgados pela gravidade, não pela idade. Um garoto que estupra e mata não pode ficar impune, assim como alguém de 40 anos que comete o mesmo ato também não. O fato é que os maiores crimes não são dessa natureza no Brasil. Aí está o problema de se enquadrar todos no mesmo quadrado.

O ser humano é basicamente feito de emoções. E que emoções são criadas na cabeça de crianças sem pais, sem amor, sem comida, sem educação? Você seria quem é, nascido nessas condições descritas acima? Eu respondo por mim: eu acho que eu não. Se a gente é o que nos ensinam, o que será que eu teria aprendido? E se minha família não fosse esta?

Será que todos que estão na cadeia são mesmo tão maus assim? Não poderiam ali existir pais de família desesperados? Jovens inconsequentes? Falta de educação? Se vivesse por um tempo a vida de um desses homens, será que também não se enxergaria tendo a mesma atitude que o jogou na cadeia?

Qual o tamanho do abismo entre eles e você?
A falta de dignidade traz o que há de pior no ser humano. O sistema penitenciário é falido. Já não cabe quem está lá, imagina jogar mais um monte de garotos... Não é uma visão de pessoa "boazinha", só acho tão claro que não consigo entender quem não enxerga isso também.

 A cadeia no Brasil não é um lugar para se restabelecer seres humanos de volta à sociedade, é apenas um depósito de gente que causa problema. Não há intenção de tentar melhorá-los.

Tapa na cara e "seu merda" lhe instigariam a se tornar um bom rapaz?

Com o tempo, todos endurecemos a casca porque a vida apronta e machuca todo mundo. Mas tem gente que já nasce na dureza cedo demais. E é uma dureza que talvez a gente morra sem conhecer. É fácil ser mau nessas condições. Sem elas, a dureza amolece.

Cadeia é agir no efeito. Educação é agir na causa. É difícil ver isso?

Seu filho?
Jogar jovens de 16 anos numa cela é tirar deles um tempo precioso de aprendizado e maturidade. É cobrar algo que não foi ensinado. É continuar abrindo mão do direito básico à educação. É tirar do governo a culpa que eles tem com essa juventude. Enquanto eles vão morrer presos ou pouco tempo depois que saírem, nascerão mais meninos nas mesmas condições que os levaram por estas portas. Logo serão jovens que caminharão pelo mesmo caminho dos que já se foram. É um ciclo que não tem fim. Redução da maioridade penal é mesmo a solução?

Não posso dizer que tenho dó do moleque que me rouba, tenho medo e saio correndo quando percebo alguém com esta intenção. Mas, sinto-me na obrigação de ver que ele é o efeito do que vem de cima, ou melhor, do que deveria vir, mas não chega. Sendo assim, essa luta que a sociedade cravou não está contra as pessoas erradas?

"Quando for roubar dinheiro público vê se não se esqueça que na sua conta tem a honra de um homem envergonhado ao ter que ver sua família passando fome". Assim canta Mv Bill em Só Deus Pode Me Julgar.

Quase ninguém nasce mau, tirando os casos de psicopatia. Ele brota em terreno fértil que esse cenário triste produz.

Me pego em conversas de bar imaginando como seria o mundo sem pobreza. Ela não é algo natural, é imposta por este sistema egoísta que criamos desde sempre.

A miséria explica a violência. Creio que para ela, tenha perdão. Já para o mau caratismo, o caminho deve ser mesmo o inferno.

Uma lembrança

Há um tempo, um vídeo de uma propaganda tailandesa viralizou na internet com legendas "cuti cuti". Os mesmos indivíduos que diziam: "o mundo precisa de mais pessoas assim", dias depois,  aplaudiam miss Sheherazade e vociferavam contra o menino de 15 anos amarrado num poste e espancado no Flamengo. Creio que elas não entenderam a mensagem do vídeo que elas mesmas compartilharam.


3 comentários:

  1. Sensacional!!! Parabéns Vanessaa!! Não deixe o blog juntar poeira... ;)

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    1. Opa João, obrigada !! É legal ver comentários por aqui! :)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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