Gosto de olhar a mão das pessoas no ônibus. O jeito que cada uma segura para se segurar no pleonasmo mesmo. Quando consigo um lugar no concorrido banco, mais do que concurso público ou parlamentar, coloco em prática meu hobby.
Os óculos me ajudam no disfarce de olhar e enquadra melhor a mão que observo. A primeira foi a de um senhor de camisa e mochila vermelha. Tinha as unhas grandes e manchas de vitiligo. No pulso muitos elásticos, destes que se usam em escritórios. Na outra mão, um papel em forma de canudo enrolado e preso também em elásticos. Talvez os usasse como adornos. Talvez fosse de sua profissão, apenas. Artista plástico, colecionador, cobrador de ônibus com certeza se ainda existisse este ofício por aqui. Lembro que eles viviam com elásticos nos pulsos.
Em seguida, mãos femininas. Deviam ter em torno de 22 anos. Unhas pintadas de preto, mas apenas às pertencentes ao dedo mindinho. Pensei: "Nova moda, será"? Mas, ao olhar mais de perto percebi que nas outras tinha resto de esmalte. Ela devia ser mais uma dessas moças com mania de arrancá-lo com a boca, mas nem sempre dá tempo de completar todos os dedos antes que alguma enxerida como eu perceba.
Com as constantes freadas, percebo que algumas mãos se tocam. A reação é sempre a mesma: tirar rapidamente a mão do local onde outra ocupou o lugar, quase que sem querer. Como se o toque causasse um choque, algo proibido ou até mesmo incômodo. Ajo da mesma maneira quando uma mão toca a minha sem que fosse permitido. Na verdade dá um certo susto, mas no ônibus já notei que não é intencional. É apenas um movimento causado pelas curvas do transporte público que acaba igualando as mãos à mesma categoria. O toque é uma das maneiras mais fáceis de se identificar as verdadeiras intenções, e com tantas histórias de contatos desrespeitosos, deve ser o susto uma forma do inconsciente nos lembrar delas.
Sentada, consigo observar os pés também. Geralmente não há saltos. Quem faz do ônibus seu transporte diário, comumente opta por trajes que lhe tragam mais conforto do que a viagem propriamente dita. Hoje tinha um cigarro inteiro no chão. De que bolso será que caiu? ... Como é bom divagar.
Quando está muito lotado, imagino que aquele corrimão preso no teto parece mais um varal de mãos e braços humanos, um de cada cor - e como somos coloridos! Quando se está um ao lado do outro, notasse como é grande a escala das cores humanas: vários são os tons de branco, amarelo, pardo e negro. Vermelhos de sol, bronzeados dos acostumados a ele.
Mais cedo, ouvi o papo de uma moça em cadeira de rodas dizendo que em geral, os motoristas eram solícitos com pessoas deficientes e que apenas uma vez usou o serviço de denúncias para reclamar de um que deu a volta só para não ajudá-la a subir no veículo. Que até os 27 anos levou uma vida normal, mas devido a uma doença degenerativa na coluna, havia ficado paraplégica. Desci no momento em que dizia ter aprendido muitas coisas depois da mazela. Fiquei imaginando o que será que ela aprendeu.
Eu não sei o que eu aprendo olhando, mas gosto de fazer isso. Acho que talvez eu não aprenda nada, mas é de olhar que crio histórias ou apenas relato o que a minha imaginação pensa estar vendo. Numa cabeça que ultimamente anda imersa em preocupações de uma nova vida que demora a se desenhar, momentos como esses são libertadores porque permitem ao cérebro pensar em coisas que não sejam só sobre você mesmo.
Olhando mãos eu crio lavadeiras, cuidadoras, mãos mães e mãos pais. Mãos bonitas, mãos feias, mãos pianistas, mãos de manicures, mãos boas e más. Mãos experientes ou somente velhas, afinal rugas não trazem necessariamente o conhecimento. Mãos doentes, mãos de cura, falta de mãos, mãos solitárias, mãos acompanhadas de outras porque se entrelaçam nos dedos de alguém ou porque, através de uma aliança, indicam que aquelas mãos já tem companhia. Mãos que fazem crochê, que ajudam a ler o livro, o jornal, as mensagens do celular, selecionam a próxima música, desenham a cruz ao passar em frente à igreja ou se juntam em menção a uma pequena oração diária. Mãos que fazem sinal para os ônibus que as levam onde precisam ir, são as mesmas que indicam o fim daquela viagem.
Ao descer, tenho sempre a impressão de mãos sujas, afinal quantas já seguraram o mesmo corrimão que as minhas? Por onde passaram antes de estar ali? Espirros, banheiros, coceiras indesejáveis coçadas por elas...
A primeira coisa que faço quando chego em casa é lavá-las. Penso que a água e o sabão levam embora todas as mãos que a segundos atrás estavam nas minhas. Talvez essa sensação seja porque muitas mãos podem encaminhar as minhas para outra direção e as tirem do foco que desejam realmente seguir. Talvez valha a pena dar mais atenção às coisas que fazem as mãos sossegar.
Hoje, ao enxugá-las, reparei melhor nelas. Me veio a lembrança de estudos que afirmam haver em cada mão, uma única linha da vida e não há sequer ninguém no mundo com a mesma linha que a sua. Da mesma forma se fazem as impressões digitais. Sejam talvez as mãos um lembrete da solidão que é viver? E se há tanta evidência em ser único, algum mérito deve ter a unidade de cada ser.
Hoje, ao enxugá-las, reparei melhor nelas. Me veio a lembrança de estudos que afirmam haver em cada mão, uma única linha da vida e não há sequer ninguém no mundo com a mesma linha que a sua. Da mesma forma se fazem as impressões digitais. Sejam talvez as mãos um lembrete da solidão que é viver? E se há tanta evidência em ser único, algum mérito deve ter a unidade de cada ser.
Mas, ao pensar que esse texto terminaria evidenciando a solitude, percebi que escrevia não com uma, mas com duas mãos. Sendo assim, imagino que acabei de ganhar um afago dessa solidão que agora se mostra não tão só assim. Há pares em unidades.
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