terça-feira, 30 de agosto de 2016

Gente

O homem da estação São Judas que chorava ao ler uma mensagem no celular.
A moça que balançava negativamente a cabeça enquanto olhava uma radiografia ao sol na Praça do Surfista.
O vendedor de algodão doce que entrou no ônibus lotado e conseguiu vender o que faltava.
O moço do semáforo que vendeu água pela janela para quem comeu o algodão doce.
O nigeriano que contou da formiga que chupa sangue nas cadeias de lá.
Gente sozinha que termina de almoçar e continua sentada, olhando para o nada.
Gente sozinha de madrugada.
Gente que anda devagar.
Gente que anda na chuva, sem guarda-chuva e sem correr.
Gente que fica olhando para cima.
Gente que reza na janela.
Gente sentada sem celular.
Gente poderosa que se esquece das voltas.
Gente descalça.
Gente que grita sozinha na rua.
Gente que canta em voz alta.
Gente que canta sem fone.
Gente que fala sozinha.
Gente que ri sozinha e disfarça.
Gente que tropeça e disfarça.
Gente que se assusta com buzina e disfarça.
Gente que está discutindo e disfarça.
Gente correndo de roupa sem ser de ginástica.
Gente que toca instrumento invisível.
Gente que tá sentada e num repente sai correndo.
Gente que aproveita a sombra das árvores.
Gente sem camisa em centros comerciais.
Gente sozinha.
Gente de mãos dadas.
Gente que dá comida aos pombos.
Gente pescando.
Gente de sol.
Gente de lua.
Gente dos dois.
Gente que varre a rua.
Gente que leva o lixo.
Gente que empurra carroça.
Gente que cuida dos jardins.
Gente que entrega comida.
Gente que xinga no trânsito.
Gente que pede calma.
Gente que troca receita.
Gente que troca outdoor.
Gente que entrega panfleto.
O amor que começa nos sapatos.
Criança escondida espiando da esquina.
É tudo gente que não deixa dúvida que a vida é feita de gente.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

5 linhas

Me chamo José. José é nome de gente como eu. Alguns se chamam João e geralmente o sobrenome traz um Silva. Talvez seja cultural, mas é comum entre nós e vocês já devem ter percebido. Morei num lugar uma vez que tinha tanto Silva que nos chamávamos por números: Silva 1, Silva 2, Silva 3.

Eu sou morador da rua, da rua mesmo. Gosto dessa coisa de não ter lugar fixo porquê as pernas foram feitas para andar, os olhos para verem coisas diferentes em lugares diferentes e a mente funciona melhor quando pode adormecer tendo o céu como teto.

Teve um dia que acordei na madrugada por causa do cheiro de tinta. Eram uns meninos quietos colocando cor no muro cinza. Um deles escreveu em azul: “Em casa de menino de rua o último a dormir apaga a lua”. Dei uma risada que saiu parecendo espirro e um dos moleques mandou um salve pedindo desculpa por ter me acordado. Eu nem fiquei chateado em ter o sono perdido porque dormir na rua dá essa liberdade de acordar para ver as coisas que poucas pessoas veem.

Eu gosto do dia também, mas é de noite que as belezas do céu mandam seus recados e já vi cada um que fico com pena de imaginar que poucos devem ter visto. Lembro uma vez que tava deitado na Sé, era verão e não sei se devido ao uso de milhões de ares-condicionados, apagão!

Nunca vi tanta estrela no céu de São Paulo como naquela meia hora sem luz. O calor deixa as pessoas agitadas, irritadas, barulhentas e aquela noite estava turbulenta na praça. Sabe que depois de uns cinco minutos no escuro as vozes foram baixando, a agitação foi dando lugar pro sossego e os vizinhos de rua relaxaram olhando para aquele céu estrelado.

Contei na vida 253 estrelas cadentes e em todas elas fiz pedido. Coincidência ou não, todas as vezes que via uma, tinha refeição farta no dia seguinte. Acho que eram elas respondendo meus desejos. Também percebi que elas caiam mais no verão. Quem mora na rua adora o calor. Dá para tomar banho em fonte, secar roupas e principalmente, dormir com brisa boa.

O frio castiga a gente. Eu particularmente nunca gostei do inverno. Para quem é só, ele deixa tudo mais solitário ainda. Se no verão já é difícil esse povo apressado olhar pra nós, imagina no frio, onde todo mundo anda mais rápido, com as mãos no bolso, encolhido e olhando pra baixo para esconder o nariz do ar gelado... É doído pra alma e pro corpo. Pro corpo é mais porque dá dor física.

Noite dessas eu sofri um pouco mais. Deitei no papelão, mas tava molhado por causa da chuva. No dia anterior a guarda passou pegando os cobertores e só consegui correr levando um. O lado bom é que na corrida esquentei um pouco e o frio deu um tempo.

De manhã fiquei no sol o tempo todo tentando armazenar o calor dentro da coberta que me sobrou. Nesta noite específica, tudo que eu lembrava quando os dedos dos pés começaram a endurecer era a sensação do sol esquentando a testa, depois a nuca, depois a blusa até dar quentura suficiente pra tira-la e ficar só de manga curta. É uma boa sensação!

Antes do meu coração parar, eu só sentia calor dentro do peito. Acho que era minha imaginação em forma de lembrança da manhã de poucas horas atrás, antes dessa noite gelada em que eu fui embora daí pra melhor. E é pra melhor mesmo viu moçada, porque tô escrevendo isso sentado advinha aonde: no sol. Não exatamente no astro rei, mas num jardim onde ele pega.

Vou ver qual é da rua universal agora. Tá tudo novo e ainda tô observando pra entender como é que as coisas funcionam por aqui. Já não sinto mais a dor da temperatura que me levou quando chegou aos 7ºC, ontem, na Avenida Paulista. Só lembro de me sentir ficando frio, muito frio, só não mais frio do que a matéria “leitura rápida” que saiu no jornal contando sobre a minha partida: 5 linhas.



terça-feira, 17 de maio de 2016

Um texto cansado

Durante muitos anos, eu defendi que era questão de tempo para as pessoas enxergarem a administração de um país como algo mais profundo. Era otimista. Não sou Doutora no assunto, mas me apeguei a um hábito que se chama ler. É uma prática que talvez leve a tristeza e tenho comigo que é por isso que a maioria não o faz. No fundo a gente sabe que o saber pede mudança e é dolorido mudar, ou mais ainda, assumir. Dói porque demora para acontecer tudo aquilo que por incrível que pareça, está atrasado (ainda) na espécie humana. Quando aos 20 e poucos anos mudei minha minha visão sobre Direitos Humanos ser um cassetete, vi a força que um texto pode ter. A culpa da minha mudança de postura é toda da força das palavras e da vivência de pessoas que decidiram falar sobre aquilo que elas viram. Documentários, vídeos, filmes, qualquer coisa nesse sentido carrega esse poder. Passei a acreditar plenamente que com a internet e tantos canais de imprensa ganhando voz com um jornalismo amplo e sem rabo preso, a população iria então começar a consumir um conteúdo mais idôneo e desta forma, se conscientizaria mais facilmente de que uma peça que se modifique no jogo político, muda toda a sua estrutura. Estava enganada. Muita gente cansou de explicar os motivos de ser contra o impeachment, abrangeu, usou de argumentos sólidos, de exemplos tirados da história desta e de outras nações, da importância da luta das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos pobres, da cultura como ferramenta educacional, dos direitos humanos além dos argumentos já cansados. Acompanhei o engajamento de muita gente tentando de todas as formas, alertar o quanto se perde quando a democracia é derrubada. Artigos, colunas, editoriais, entrevistas, mídia gringa. Nada disso foi mais forte que o bombardeio da grande imprensa. Entendo que a mudança de comportamento político na sociedade brasileira é coisa nova. Penso, ainda com otimismo, que discutir política como se discute hoje trará bons frutos, mas sinceramente não acreditava que seria possível ver em pleno 2016 o que está acontecendo. Isso tira de mim toda a fantasia de que o povo brasileiro é "lindo". Não é, não. É um povo preguiçoso, egoísta, preconceituoso e resultado de todas as vezes que se para de ler um texto logo no primeiro parágrafo usando da velha premissa: isso é texto de petista, petralha, esquerda, socialista, sonhador. Pois é, muita gente não é nem nunca foi o que a preguiça dessas opiniões julgou. São apenas pessoas tentando aprofundar questões. Não que sejam mais inteligentes, mas talvez saibam mais daquele assunto do que nós. Tão logo o novo presidente assumiu e já começamos a colher tudo aquilo que uma boa parte dessas pessoas tentou alertar desesperadamente, sem sucesso. Quanta coisa eu li que já começavam com a frase "não sou petista, não apoio o governo, mas..." Isso sempre me soou como uma maneira desesperada de pedir "Por favor, leia isso. Dê uma chance". Não adiantou. Faz um tempo que minhas ilusões de brasileira feliz andam saindo uma a uma pela porta. Não é de todo ruim, mas é triste. Triste por achar que o que penso junto de muitas pessoas não são ilusões, mas entram para esta categoria simplesmente pela falta de vontade de uma sociedade que já possui ferramentas para se libertar, mas não faz questão. Retirei alguns trechos do documentário Requiem for the American Dream que embasam muito bem a opinião de quem é considerado sonhador, quando na verdade luta por uma vida mais justa em sociedade, como forma principalmente de se diminuir a violência tanto física quanto moral. A crise da democracia: "As empresas estavam perdendo o controle sobre a sociedade e algo tinha que ser feito para combater essas forças"... "Ficaram chocados com a tendência democratizante dos anos 60 e precisavam agir contra aquilo. Eles achavam que havia um "excesso de democracia" se desenvolvendo. Parcelas antes passivas e obedientes da população, estavam começando a se organizar e tentar entrar na arena política e eles disseram: "Isso impõe muita pressão sobre o Estado. Não há como lidar com toda essa pressão." Então eles precisam voltar a passividade e se despolitizarem"... Princípio número 5: Atacar a solidariedade "A solidariedade é muito perigosa. Do ponto de vista dos mestres, você só precisa se preocupar consigo, não com os outros, o que não tem problema para os ricos e poderosos, mas é devastador para o restante. Tem havido vários esforços para retirar essas emoções humanas básicas da cabeça das pessoas. E vemos isso hoje na formação de políticas"... "Você quer destruir um sistema? Tire os fundos dele. Não funcionará. Todos ficarão bravos. Vão querer outra coisa. É uma técnica padrão para privatizar um sistema. Vemos isso no ataque às escolas públicas. As escolas públicas são baseadas no princípio da solidariedade. Eu não tenho mais filhos na escola. Já cresceram, mas o princípio da solidariedade diz: "Eu pago os impostos para que as crianças do outro lado da rua possam ir à escola." Essa é uma emoção humana normal, mas tem que tirar isso da cabeça das pessoas, então: "Eu não tenho filhos na escola. Por que devo pagar impostos? Privatize." Nos anos 50, a sociedade era bem mais pobre que hoje em dia, mas, no entanto, conseguia arcar com mais educação de massa gratuita. Hoje uma sociedade bem mais rica alega que não tem recursos para isso." Bom, em nenhum momento se faz aqui guerra contra o dinheiro ou quem o possui, apenas um convite a pensar que os detentores do poder não estão, por problemas de caráter mesmo e hierarquias de sempre, a fim de dividir o que possuem e tornar o povo hábil de lutar por aquilo que lhe é de direito. E se você nasceu bem, use da empatia e se imagine no lugar de quem não teve a mesma sorte. Não é lição de igreja, é só humanidade. 

O governo do PT foi marcado por muitos escândalos, mas também por uma redistribuição de renda que muitos minimizam ao chamar de vagabundos mamando nas tetas do governo. A redução da pobreza será sentida quando começarmos a sermos atendidos por médicos com cara de "tia ou tio do café", como apequena o imbecil Danilo Gentili, mas serão estes da Silva e de Deus os detentores do conhecimento há tanto tempo negado. É um fruto sim. 

Na TV, voltaremos a ver coberturas da correria para comprar presentes nas datas especiais. Sobre política, nada demais. Sim, tô me repetindo... O povo lutou, o povo conseguiu e assim voltaremos a viver melhores porque o que os olhos não vêem, o coração não sente e a gente prefere assim. Brigar dá trabalho. 

Triste é saber de tantas sugestões oferecidas para fugir do impeachment, mas quem venceu foi o retrocesso. Fim do MinC. O Ministro nomeado para a agricultura derrubou a PEC do trabalho escravo, que determina o confisco de propriedades flagradas nessas condições. Charada: e nosso Beto Mansur, votou contra ou a favor? Rá! "É só o começo do fim da corrupção. Estamos limpando o Brasil"...

Há um cansaço na alma de todo brasileiro que já enxergou isso e tentou fazer a sua parte para que a democracia não sofresse. Mais uma vez perdemos. Alguns disseram "chega, desisto". Eu também, mas não sei explicar aquela coisa dentro da cabeça que insiste em nos manter lutando. E a gente vai continuar, talvez por burrice de achar que a minoria um dia vire maioria. Ou talvez porque tenha que ser assim, já que continuamos a acreditar na evolução da espécie.

Para encerrar feliz, no Netflix tem o documentário.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Crônica de doido.

O ônibus da Ponta da Praia para São Vicente em uma segunda-feira é sempre tranquilo às 8h30 da manhã. O trânsito é no sentido inverso, assim como o barulho das pessoas matinais, mas hoje foi diferente.

Logo no canal 5, uma senhora esqueceu de dar o sinal para avisar o motorista que iria descer no próximo ponto. Logicamente, o ônibus seguiu, parando no susto depois dos gritos da dona ao condutor, como se ele tivesse culpa do esquecimento dela. Deu para ouvir a respiração bufante do motorista após a bronca desmerecida. Viagem que segue.

No ponto seguinte, entra um senhor velhinho, mas bem velhinho mesmo, carregando nas orelhas dois grandes aparelhos auditivos. Ao lado dele, um homem parecia ignorar o que o velho lhe dizia em alto e bom som, mas de fato indecifrável pela dificuldade da fala de quem é banguela.

O senhor se encaminhou para um banco localizado mais ao meio do veículo e se calou. O homem sentou ao seu lado, depois na poltrona da frente, depois na poltrona dos fundos, depois naquela mais alta de todas e finalmente voltou a se sentar ao lado do velho. Pensei várias coisas: devia ter algum tipo de deficiência mental, podia ser um homem louco ou apenas alguém que gosta de passear pelas cadeiras vazias dos ônibus, ora! Por coincidência ou não, percebi no Celta parado no semáforo, o adesivo "de perto ninguém é normal".

Próximo ao canal 3, canal de gente rica da cidade, adentrou o espaço o oposto do público dali. Um casal que visivelmente fazia uso da droga que deixou a Grazi feia naquela série de TV, entrou, sentou e ficou. O rapaz incomodado pelo fato da sua senhora ter sentado longe dele, tratou de abrir um sorriso quando vagou o espaço ao seu lado. "Senta aqui, nêga".

Os dois eram do tipo tartaruga, carregavam a casa nas costas, dentro da mochila. A dela pequena e vermelha, a dele preta com um zíper quebrado. Muito magros, coxas quase da finura dos punhos, manchas pela pele e pelos dentes do sorriso que seguiu aberto, principalmente no rosto do moço que estava feliz por levar sua donzela para conhecer a "divisa".

_Motô, esse ônibus passa na divisa, não passa?
_ Passa.
_ Vai conhecer a divisa, nêga!

Ela era mais silenciosa, tirou o boné da cabeça, arrumou os cabelos oleosos, como se quisesse melhorar sua aparência em receber tamanho convite. Ele berrava na janela. Fazia sinal de joinha ao povo da rua e aqueles que retornavam o cumprimento, ouviam um sonoro “Ae, esse aí é gente boa”!

O rosto dos ocupantes 'normais' foi mudando de mau humor matinal para péssimo humor matinal, rapidamente. É um bom exercício observar a tolerância das pessoas. Enfim... não é sobre os de comportamento aceitável pela sociedade que se trata este relato.

O casal desceu na esperada divisa. Imaginei que iriam atravessar para o lado da praia, mas não. Seguiram em direção ao Orquidário, local conhecido como a Cracolândia santista. Bom, talvez foram por ali para se hospedar em alguma pousada daquelas que cobram R$ 10 a diária, deixar em segurança suas preciosas mochilas-casa, a sacola plástica cheia de bananas e então seguirem para o mar, afinal "Só Deus pode me julgar" - já dizia Mv Bill e a bíblia dos fervorosos, geralmente os mais esquecidos quando lhes convêm.

Já em São Vicente, mais um ser barulhento. Ao lado da mãe, um menino que não parava de cantar. Ficava de joelho no banco, olhava para trás encarando com cara bonita todas aquelas pessoas com caras feias. A infância ainda permite cantar dentro do ônibus sem ser cobrado do bom senso, ou até mesmo sentar em todas as cadeiras sem parecer louco, como julguei o moço do início desta história. Falando nele, ao dar sinal para descer, notei o olhar dele me seguir. Da mesma forma, olhou para o lugar onde eu ocupava, agora vazio. E o que ele fez? Pois é.

O ponto que desço é em frente ao Banco do Brasil, onde também tenho conta. Entrei para verificar meu saldo. Saí de lá doida da vida. O mundo dá voltas.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Pena

Acabei de ver uma pena flutuar no ar por mais de 8 segundos. Estava deitada olhando para a janela e ali fiquei até ela sumir do meu campo de visão. 

Quando se foi, continuei observando a leveza das folhas da árvore da esquina ao se moverem com a brisa da tarde. O sol foi embora, mas está aparecendo, às vezes, entre as brechas de uma nuvem e outra. Já está se aproximando da linha do horizonte demarcada pelo prédio da frente. Daqui a pouco, mais um dia começa no Japão. 

O céu está cinza azulado. As folhas só se mexem mais rápido quando um passarinho pousa nelas ou dá impulso para voar no galho em que elas moram. Eles vão embora. Elas continuam balançando até parar devagar. Esperam pelo vento ou por um novo passarinho para movimentar suas vidas. No mais, são belas somente por existir. 

A pena que vi era de pombo. Deve ter caído do telhado que eles ficam logo em cima da minha janela. Vou considerar como sorte. O domingo segue assim, com cara de domingo. Acho que vou descansar. Quem sabe tenho um sonho bonito em um bom presságio que a pena, ao passar pela janela, veio anunciar.

Tim

São 2h27 da madrugada. No Telecine Pipoca está passando Tim Maia. Muitos festivais, pubs, shows de rock, sucesso. Mas antes, muita porta na cara e humilhação. Numa noite, antes que qualquer público soubesse quem era Tim, ele ficou doidão de um ácido qualquer, deitou na mureta de uma Marina por aí e caiu no mar. Saiu da água amolado pelos amigos, andou arrastado e sozinho até o quartinho onde morava, abriu a porta, pegou uma caneta, um papel e escreveu:

"Ah! Se o mundo inteiro me pudesse ouvir
Tenho muito pra contar, dizer que aprendi
E na vida a gente tem que entender
Que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri"

Gravou, estourou e ficou sei lá quantas semanas seguidas em primeiro lugar nos hits parades da vida. Quando perdeu a mulher, seu amor, compôs:

"Ela partiu
Partiu e nunca mais voltou
Ela sumiu, sumiu e nunca mais voltou
Se souberem onde ela está
Digam-me e vou lá buscá-la"

Deve ser esta a diferença dos gênios. Quando sofrem, produzem. Quanto aos humanos, bebemos cerveja, choramos, comemos um Doritos.

"Até queria ter um pouquinho do seu talento, uma lasquinha dele porquê com certeza eu não estaria nesta merda que você tá. O seu maior problema é você mesmo, Tim. O caminhão que te atropelou tem teu nome, lembra?", disse um amigo ao encerrar a parceria de anos. Já este deve ser o lado em comum entre meros mortais e a genialidade: o nosso maior inimigo é sempre a gente mesmo.