O ônibus da Ponta da Praia para São Vicente em uma segunda-feira é sempre tranquilo às 8h30 da manhã. O trânsito é no sentido inverso, assim como o barulho das pessoas matinais, mas hoje foi diferente.
Logo no canal 5, uma senhora esqueceu de dar o sinal para avisar o motorista que iria descer no próximo ponto. Logicamente, o ônibus seguiu, parando no susto depois dos gritos da dona ao condutor, como se ele tivesse culpa do esquecimento dela. Deu para ouvir a respiração bufante do motorista após a bronca desmerecida. Viagem que segue.
No ponto seguinte, entra um senhor velhinho, mas bem velhinho mesmo, carregando nas orelhas dois grandes aparelhos auditivos. Ao lado dele, um homem parecia ignorar o que o velho lhe dizia em alto e bom som, mas de fato indecifrável pela dificuldade da fala de quem é banguela.
O senhor se encaminhou para um banco localizado mais ao meio do veículo e se calou. O homem sentou ao seu lado, depois na poltrona da frente, depois na poltrona dos fundos, depois naquela mais alta de todas e finalmente voltou a se sentar ao lado do velho. Pensei várias coisas: devia ter algum tipo de deficiência mental, podia ser um homem louco ou apenas alguém que gosta de passear pelas cadeiras vazias dos ônibus, ora! Por coincidência ou não, percebi no Celta parado no semáforo, o adesivo "de perto ninguém é normal".
Próximo ao canal 3, canal de gente rica da cidade, adentrou o espaço o oposto do público dali. Um casal que visivelmente fazia uso da droga que deixou a Grazi feia naquela série de TV, entrou, sentou e ficou. O rapaz incomodado pelo fato da sua senhora ter sentado longe dele, tratou de abrir um sorriso quando vagou o espaço ao seu lado. "Senta aqui, nêga".
Os dois eram do tipo tartaruga, carregavam a casa nas costas, dentro da mochila. A dela pequena e vermelha, a dele preta com um zíper quebrado. Muito magros, coxas quase da finura dos punhos, manchas pela pele e pelos dentes do sorriso que seguiu aberto, principalmente no rosto do moço que estava feliz por levar sua donzela para conhecer a "divisa".
_Motô, esse ônibus passa na divisa, não passa?
_ Passa.
_ Vai conhecer a divisa, nêga!
Ela era mais silenciosa, tirou o boné da cabeça, arrumou os cabelos oleosos, como se quisesse melhorar sua aparência em receber tamanho convite. Ele berrava na janela. Fazia sinal de joinha ao povo da rua e aqueles que retornavam o cumprimento, ouviam um sonoro “Ae, esse aí é gente boa”!
O rosto dos ocupantes 'normais' foi mudando de mau humor matinal para péssimo humor matinal, rapidamente. É um bom exercício observar a tolerância das pessoas. Enfim... não é sobre os de comportamento aceitável pela sociedade que se trata este relato.
O casal desceu na esperada divisa. Imaginei que iriam atravessar para o lado da praia, mas não. Seguiram em direção ao Orquidário, local conhecido como a Cracolândia santista. Bom, talvez foram por ali para se hospedar em alguma pousada daquelas que cobram R$ 10 a diária, deixar em segurança suas preciosas mochilas-casa, a sacola plástica cheia de bananas e então seguirem para o mar, afinal "Só Deus pode me julgar" - já dizia Mv Bill e a bíblia dos fervorosos, geralmente os mais esquecidos quando lhes convêm.
Já em São Vicente, mais um ser barulhento. Ao lado da mãe, um menino que não parava de cantar. Ficava de joelho no banco, olhava para trás encarando com cara bonita todas aquelas pessoas com caras feias. A infância ainda permite cantar dentro do ônibus sem ser cobrado do bom senso, ou até mesmo sentar em todas as cadeiras sem parecer louco, como julguei o moço do início desta história. Falando nele, ao dar sinal para descer, notei o olhar dele me seguir. Da mesma forma, olhou para o lugar onde eu ocupava, agora vazio. E o que ele fez? Pois é.
O ponto que desço é em frente ao Banco do Brasil, onde também tenho conta. Entrei para verificar meu saldo. Saí de lá doida da vida. O mundo dá voltas.
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