sábado, 23 de maio de 2015

Mãe

Sentada no banco da farmácia, aguardo a minha vez e observo. No balcão de atendimento: 
- Moço, quanto é este remédio da receita? 
- Um minuto senhora. Olha, ele custa R$ 78,00 mas com desconto sai por R$38,00.
- Quanto moço?
- Ele custa R$ 78, mas com o desconto sai por R$ 38.
- R$38? Obrigada.
Ela vira de cabeça baixa, segurando o filho pela mão.
- Mãe, e o remédio?
- Não dá filho, não tenho esse dinheiro.
- Mas e esse brinquedo? Ele pergunta segurando o que na verdade é um vidro de xampu da Turma da Mônica.
Ela tira o "brinquedo" da mão do filho e coloca de volta na prateleira.
-Vamo, filho.
E sai na chuva, sem guarda-chuva.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Crise

Estágio, estágio, estágio, estágio, vaga! Requisitos profissionais: nomes bonitos em inglês, porque o jornalismo (claro) também passou pelo raio gourmetizador. Daí você tenta continuar otimista, mas em dois minutos de Facebook, colegas queridos de profissão compartilham: SBT demite 46, Jovem Pan demite Carsughi, pesquisa aponta que 70% dos brasileiros não leram absolutamente nada de livros no ano passado. Estadão demite 120 funcionários e encerra o caderno de esportes, com circulação apenas aos domingos. Folha inicia demissões que podem atingir 50 jornalistas e acabar com os suplementos. Crise na imprensa. Crise. Crise. Tentar não se envolver nessa energia é tão difícil que me lembra aquela música "é como mergulhar num rio e não se molhar". Outro companheiro de profissão (Fred) pergunta:

Caro colega jornalista, momento enquete: O que você vai fazer quando o jornalismo vir falecer?
a) Virar publicitário
b) Virar assessor
c) Virar blogueiro
d) Virar ativista
e) Dar uma volta ao mundo
f) Virar jornaleiro
g) Sentar e chorar.
h) Jornalismo morreu faz tanto tempo que já virou zumbi.

Eu acho que vou escrever um texto novo para meu humilde blog contando como está sendo a vida de uma recém-formada em uma profissão que parece estar com o pé na cova (mantenho a esperança nesse "parece estar"). Já adianto que não é divertido, que quando achei ter chego no fim, percebi que era só o começo e que a luta para manter o otimismo é tão grande quanto a força para não transformar o tal do sonho em pesadelo. Sigamos.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Dos textos inspirados!!!

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/217974-o-ultimo-a-sair.shtml

Gui

- Quem mora com você na sua casa?
- A minha mãe, minha irmã, meu sobrinho e uma cachorrinha, a Juli.
- E seu pai?
- Meu pai morreu.
- Foi Deus? 
- O que, Gui?
- Foi Deus quem matou ele? Aquele safado! Eu vou matar ele e roubar seu pai de volta, tá bom?
- Mas Gui, Deus é bom. Tem de respeitar ele.
- É nada! Aquele safado...

Histórias de uma irmã estagiária em escola infantil. Gui tem 7 anos e é uma criança especial (portador da síndrome de Asperger). "Ele é a alegria da sala." Palavras de minha irmã. Percebe-se, rs!

quarta-feira, 13 de maio de 2015

“Um dia podemos ter prova de múltiplos universos”... e tem gente achando que o mundo gira em torno do próprio umbigo e nothing else matters...

http://www.brasilpost.com.br/2015/05/12/stephen-hawking-previsoes_n_7268614.html?fb_action_ids=1083987728282690&fb_action_types=og.likes

Sensacional esse cara. E mais ainda é uma mente tão brilhante, cheia de informações, ficar presa no diagnóstico de uma doença que paralisa os músculos, mas não afeta em nada as funções cerebrais. "Síndrome do encarceramento". Um gênio preso na lâmpada. E ele nasceu exatamente no aniversário de 300 anos da morte de Galileu. Coincidência, né? Ou não... "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia"

terça-feira, 12 de maio de 2015

"O café, um cigarro, um trago, tudo isso não é vício 
São companheiros da solidão".

Tem gente que escreve luz.

“ (...) O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros... outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia.” Tem gente que escreve luz. Galeano.
https://www.youtube.com/watch?v=gujK5WEVG8g&feature=youtu.be

Domingo de outono

Eu ia andar na praia para aproveitar o dia lindo que faz hoje. Dias de maio... Mas aí eu comi feijoada da mãe e antes mesmo de acabar o deguste, a cadeira já havia tratado de me acomodar. 

Sentei no sofá para fazer a digestão, ainda com a ideia do pé na areia. Mas um bom e fresco vento começou a entrar pela janela. Vento bom que acaricia os cabelos e a cortina e tem cheiro de maresia. 

Deitei. Do sofá eu vejo o céu. Azul, azul de maio. Dois pássaros voam bem lá no alto e aqui embaixo tudo fica em paz, como deve sentir quem nasce com asas. Deve ser para isso que serve o voo: sossegar. Deve ser por isso que humanos ainda não voam: somos providos do desassossego. Abençoado seja quem conhece a função profunda do verbo observar. 

O vento está tão fresco que permite até um fino lençol nas pernas acomodadas no braço do sofá. Ao lado, o neném repousa tranquilo nos braços de minha irmã. Na TV, Dr House e seus inteligentes diagnósticos. Na janela do prédio da frente, dois vizinhos conversam animados acompanhados por duas loiras geladas encostadas no batente. Camisa é de futebol. E de clássico que começa logo mais. 

Eu desisti da praia hoje. Dei as mãos para a preguiça desta tarde e me deixei admirar por ela. Tirei os óculos para olhar a árvore que mora na esquina, mas perto da minha janela. Tem coisas que mesmo míope, se mantém belas. Domingo de outono é uma delas. E essas pequenas grandes coisas também.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Máquina De Escrever (Pedro Luís & A Parede)

Meu coração é uma máquina de escrever
As paixões passam
As canções ficam
Os poemas respiram nas prisões
Pra ler um verso, ouvir, escutar
Meu coração falar
Até se calar a pulsação
Meu coração é uma máquina de escrever
No papel da solidão
Meu coração é
Da era de Guttemberg
Meu coração se ergue
Meu coração é
Uma impressão
Meu coração
Já era
Quando ainda não era
A palavra emoção
Mas há palavras no meu coração
Letras e sons
Brinquedos e diversões
Que passem as paixões
Que fiquem as canções
Nos poemas, nos batimentos
Das teclas da máquina de escrever
Meu coração é uma máquina de escrever
Ilusões
Meu coração é uma máquina de escrever
É só você bater
Pra entrar na minha história

Alguns trechos da entrevista com o raro Galeano

Ele diz que escreve à mão. Mas não é verdade. As palavras de Eduardo Galeano, palavras lutadoras e apaixonadas, palavras “sentipensantes”, são escritas com o corpo todo: as veias, as tripas, o coração. São cinquenta anos dedicados ao ofício de denunciar o que incomoda e anunciar o que pode ser.
Para mim foi muito importante esse período de formação, foi ali que se deu a revelação do magnetismo do poder da palavra.
Depois comecei a reconhecer nas palavras um poder de comunicação que eu não sabia que elas tinham. E então começo a escrever.
Ainda em alguns lugares, quando morre um velho, se diz que é uma biblioteca que se incendeia. São pessoas que, com conhecimento acumulado no espírito, encarnam um tempo, às vezes uma cidade, um país.
Tem histórias que são faladas e outras são escritas. Tem histórias para falar e histórias para contar por escrito. Não é a mesma coisa, são regras diferentes. Foi a partir do contato com pessoas que eram capazes de contar o que acontecia e o que tinha acontecido antes que tive essa revelação de que escrever podia valer a pena, de que a palavra como instrumento de comunicação podia ser tanto ou mais importante que a imagem. Porque eu sempre sentia aquela distância entre o que queria dizer e o que conseguia dizer na pintura, no desenho. Era sempre uma distância enorme, um fosso profundo que não dava para atravessar, um abismo fundo demais.
A explicação dessa teimosa capacidade de sobreviver está nessa comunhão entre a palavra e o ato. É uma comunhão muito difícil de encontrar...
Então, essa tensão de forças que lutavam dentro dele era o motor da imensa energia que ele transmitia. (Che)
Evidente que é a necessidade de comunicação. É uma necessidade inexplicável de comunicação com os demais, que acho que também pode ser chamada de necessidade de comunhão. Porque, quando você se comunica verdadeiramente, está de alguma maneira comungando com o leitor. Quando um livro está vivo, te toca, tem dedos, toca a tua face. As palavras são como dedos que te tocam também. Tenho essa necessidade imensa de comunicação e de comunhão.http://www.carosamigos.com.br/index.php/cultura/4984-eduardo-galeano-leia-entrevista-de-caros-amigos-na-integra

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Indiferença

2h10 da madrugada desta quinta-feira. Estava deitada na cama sem sono quando ouvi um forte barulho. Abri uma fresta na janela, mas não enxerguei nada. De repente, o barulho mais uma vez. Vejo um Fusca azul balançando e a porta do lado do motorista abrindo. O carro está parado quase na esquina da rua onde moro, debaixo de uma árvore. De longe não enxergo direito o que está acontecendo, mas vejo a sombra de uma pessoa entrando no veículo abaixada e escondida. "É roubo". 

Pego o celular para ligar para a polícia, mas ao mesmo tempo uma curiosidade me pede um pouco mais de tempo. Não consigo ver o que está acontecendo lá dentro, apenas a sombra de alguém. Com todo respeito aos policiais militares, mas infelizmente, pelo jeito como abordam os cidadãos, eu evito ao máximo precisar do serviço deles. 

Passaram-se cinco minutos, o carro está quieto e nada da pessoa. Começo a achar estranho porque se fosse um assalto, este bandido era muito lerdo. Eis o questionamento que se apodera de mim: "ligar ou não para a Polícia Militar?". Penso que talvez possa ser o dono do carro e bêbado, perdeu a chave, arrombou a porta e agora dorme. Depois que deve ser um ladrão em começo de carreira, já que o tempo passa e nada do carro ligar. 

Em meio aos pensamentos, outro estalo e o vidro da frente se abre um pouco. Lembro da história de um conhecido que teve seu amado Fusca roubado na porta de casa, também durante a madrugada. O quanto aquilo o entristeceu pois havia gasto além de dinheiro para as peças originais, tempo e dedicação ao veículo querido. A lembrança me fez tomar a decisão: ligar 190. 

- Emergência Polícia Militar.
- Acho que estão roubando um carro na minha rua.
- Por que a senhora acha isto?
- Porque eu estava deitada, ouvi um barulho e pela janela vi alguém entrando abaixado num Fusca...
- Fusca? É furto com certeza! Roubam Fusca direto, senhora. Endereço, cidade?
Passei os detalhes.
- Uma viatura está a caminho. Obrigada por fazer a sua parte. Boa noite.

Pela janela, continuo a espreitar, nervosa e confusa com o que tinha feito. Quem dera eu acreditar que ligar para a polícia fosse fazer a "minha parte". Se de repente eles atiram na pessoa? Serei responsável pela morte de alguém. Nunca vou me perdoar. Se é só um bêbado? Se é alguém realmente mau? Deveria estar dormindo, daí não veria nada disso!" Um milhão de pensamentos voam sobre minha cabeça. Luzes de sirene iluminam o meu quarto. Dois policiais descem do veículo com a arma em punho, olham pela janela e gritam:

- Ae camarada, o carro é seu, o carro é seu? Não? Como é que você entrou aí? Desce, desce! Desce porra, que demora é essa?
Sai desesperado e com as mãos na cabeça um homem alto, forte e descalço.
- Não sou ladrão não, senhor. Não sou...
- É não? Como você me explica essa porta arrebentada? Encosta no muro. Não mandei tirar as mãos da cabeça. Mãos na cabeça, caralho! 
O homem, de costas para o muro responde em sins frenéticos com a cabeça.
- Nome, pai, mãe? Se você tiver passagem...
- Não tenho não senhor... desculpa! É que...
Sinal para se calar. O policial entra na viatura para checar os dados enquanto o outro continua com a arma apontada para ele. Consegui ouvir o nome da mãe: Maria Aparecida, como a minha. E o ano de seu nascimento: 1970, ou 45 anos de idade. 
De dentro da viatura, fala o PM:
- Sai fora cara! Libera ele, X. Tá limpo esse aí.
- Obrigado, eu não sou ladrão não. Posso pegar meu sapato e minha mochila? Tá dentro do carro. 
O PM faz que sim com a cabeça. Ele pega suas coisas e vai embora. Vira a esquina em passos largos, com o sapato nas mãos e a mochila num ombro só.
Antes de partir, os policiais fazem uma vistoria no Fusca
- Tá abandonado essa porra. Ó o estado disso...

Agradeci por eles não terem batido no suposto ladrão que era só um sem teto. E isso não tem nada a ver com bondade, apenas não acredito que essa seja a solução para quem já apanha da vida e de maneira bem mais dolorida. Deitei imaginando para onde aquele cara iria. Talvez ele tivesse invadido o carro para dormir, porque na rua estava frio. Talvez já tivesse notado que aquele Fusquinha velho estava abandonado e por isso decidiu arrombar a porta. Talvez ali fosse um novo abrigo para ele, quente e protegido, mas eu estraguei a moradia no comodismo da minha janela. Me senti protestante de panelas.

Não reparei naquele carro abandonado na rua de casa. Claro que não. Desde quando o ser humano repara no abandono alheio ou pessoas coisificadas? Como são falhas as nossas relações. Eu não notei porque tenho a minha casa, a minha cama com edredom.O homem já tinha percebido a solidão daquele Fusca. Era tão abandonado quanto ele. A gente sempre se identifica com os nossos semelhantes.

Ainda espiei mais vezes para ver se de repente ele voltava. Ficaria com a consciência mais tranquila sabendo que ele estava dormindo ali. Mas ele não voltou. O carro está lá. Debaixo da árvore da esquina. E há duas semanas, quando tirei a foto abaixo, ele já estava. E eu não reparei. Quanta apatia ainda vive em nós. 

Eu nunca sei a melhor maneira de ajudar. Impediria um roubo caso fosse. Pioraria a vida de quem já não vive. Quem assalta, quem é assaltado, a indiferença. Ainda não sei quem é vítima. 

O Fusca abandonado. A foto marca duas semanas, mas não sei há quanto tempo está aí.





terça-feira, 5 de maio de 2015

Misture os dois

"Não é que o mundo seja só ruim e triste. É que as pequenas notícias não saem nos grandes jornais. Quando uma pena flutua no ar por oito segundos ou a menina abraça o seu grande amigo, nenhum jornalista escreve a respeito. Só os poetas o fazem." Rita Apoena