quinta-feira, 30 de abril de 2015
quarta-feira, 29 de abril de 2015
Mão única
Gosto de olhar a mão das pessoas no ônibus. O jeito que cada uma segura para se segurar no pleonasmo mesmo. Quando consigo um lugar no concorrido banco, mais do que concurso público ou parlamentar, coloco em prática meu hobby.
Os óculos me ajudam no disfarce de olhar e enquadra melhor a mão que observo. A primeira foi a de um senhor de camisa e mochila vermelha. Tinha as unhas grandes e manchas de vitiligo. No pulso muitos elásticos, destes que se usam em escritórios. Na outra mão, um papel em forma de canudo enrolado e preso também em elásticos. Talvez os usasse como adornos. Talvez fosse de sua profissão, apenas. Artista plástico, colecionador, cobrador de ônibus com certeza se ainda existisse este ofício por aqui. Lembro que eles viviam com elásticos nos pulsos.
Em seguida, mãos femininas. Deviam ter em torno de 22 anos. Unhas pintadas de preto, mas apenas às pertencentes ao dedo mindinho. Pensei: "Nova moda, será"? Mas, ao olhar mais de perto percebi que nas outras tinha resto de esmalte. Ela devia ser mais uma dessas moças com mania de arrancá-lo com a boca, mas nem sempre dá tempo de completar todos os dedos antes que alguma enxerida como eu perceba.
Com as constantes freadas, percebo que algumas mãos se tocam. A reação é sempre a mesma: tirar rapidamente a mão do local onde outra ocupou o lugar, quase que sem querer. Como se o toque causasse um choque, algo proibido ou até mesmo incômodo. Ajo da mesma maneira quando uma mão toca a minha sem que fosse permitido. Na verdade dá um certo susto, mas no ônibus já notei que não é intencional. É apenas um movimento causado pelas curvas do transporte público que acaba igualando as mãos à mesma categoria. O toque é uma das maneiras mais fáceis de se identificar as verdadeiras intenções, e com tantas histórias de contatos desrespeitosos, deve ser o susto uma forma do inconsciente nos lembrar delas.
Sentada, consigo observar os pés também. Geralmente não há saltos. Quem faz do ônibus seu transporte diário, comumente opta por trajes que lhe tragam mais conforto do que a viagem propriamente dita. Hoje tinha um cigarro inteiro no chão. De que bolso será que caiu? ... Como é bom divagar.
Quando está muito lotado, imagino que aquele corrimão preso no teto parece mais um varal de mãos e braços humanos, um de cada cor - e como somos coloridos! Quando se está um ao lado do outro, notasse como é grande a escala das cores humanas: vários são os tons de branco, amarelo, pardo e negro. Vermelhos de sol, bronzeados dos acostumados a ele.
Mais cedo, ouvi o papo de uma moça em cadeira de rodas dizendo que em geral, os motoristas eram solícitos com pessoas deficientes e que apenas uma vez usou o serviço de denúncias para reclamar de um que deu a volta só para não ajudá-la a subir no veículo. Que até os 27 anos levou uma vida normal, mas devido a uma doença degenerativa na coluna, havia ficado paraplégica. Desci no momento em que dizia ter aprendido muitas coisas depois da mazela. Fiquei imaginando o que será que ela aprendeu.
Eu não sei o que eu aprendo olhando, mas gosto de fazer isso. Acho que talvez eu não aprenda nada, mas é de olhar que crio histórias ou apenas relato o que a minha imaginação pensa estar vendo. Numa cabeça que ultimamente anda imersa em preocupações de uma nova vida que demora a se desenhar, momentos como esses são libertadores porque permitem ao cérebro pensar em coisas que não sejam só sobre você mesmo.
Olhando mãos eu crio lavadeiras, cuidadoras, mãos mães e mãos pais. Mãos bonitas, mãos feias, mãos pianistas, mãos de manicures, mãos boas e más. Mãos experientes ou somente velhas, afinal rugas não trazem necessariamente o conhecimento. Mãos doentes, mãos de cura, falta de mãos, mãos solitárias, mãos acompanhadas de outras porque se entrelaçam nos dedos de alguém ou porque, através de uma aliança, indicam que aquelas mãos já tem companhia. Mãos que fazem crochê, que ajudam a ler o livro, o jornal, as mensagens do celular, selecionam a próxima música, desenham a cruz ao passar em frente à igreja ou se juntam em menção a uma pequena oração diária. Mãos que fazem sinal para os ônibus que as levam onde precisam ir, são as mesmas que indicam o fim daquela viagem.
Ao descer, tenho sempre a impressão de mãos sujas, afinal quantas já seguraram o mesmo corrimão que as minhas? Por onde passaram antes de estar ali? Espirros, banheiros, coceiras indesejáveis coçadas por elas...
A primeira coisa que faço quando chego em casa é lavá-las. Penso que a água e o sabão levam embora todas as mãos que a segundos atrás estavam nas minhas. Talvez essa sensação seja porque muitas mãos podem encaminhar as minhas para outra direção e as tirem do foco que desejam realmente seguir. Talvez valha a pena dar mais atenção às coisas que fazem as mãos sossegar.
Hoje, ao enxugá-las, reparei melhor nelas. Me veio a lembrança de estudos que afirmam haver em cada mão, uma única linha da vida e não há sequer ninguém no mundo com a mesma linha que a sua. Da mesma forma se fazem as impressões digitais. Sejam talvez as mãos um lembrete da solidão que é viver? E se há tanta evidência em ser único, algum mérito deve ter a unidade de cada ser.
Hoje, ao enxugá-las, reparei melhor nelas. Me veio a lembrança de estudos que afirmam haver em cada mão, uma única linha da vida e não há sequer ninguém no mundo com a mesma linha que a sua. Da mesma forma se fazem as impressões digitais. Sejam talvez as mãos um lembrete da solidão que é viver? E se há tanta evidência em ser único, algum mérito deve ter a unidade de cada ser.
Mas, ao pensar que esse texto terminaria evidenciando a solitude, percebi que escrevia não com uma, mas com duas mãos. Sendo assim, imagino que acabei de ganhar um afago dessa solidão que agora se mostra não tão só assim. Há pares em unidades.
quinta-feira, 16 de abril de 2015
terça-feira, 14 de abril de 2015
sábado, 11 de abril de 2015
sexta-feira, 10 de abril de 2015
domingo, 5 de abril de 2015
Aos mestres com carinho
Dois meses se passaram do fim da faculdade. Acabaram-se as pencas de estágios e sobrou um deserto chamado mercado de trabalho. Desde que me vi formada, uma coisa me preocupa: a falta de inspiração para escrever. Creio que em meu humilde blog, tenho uns seis textos parados que não consigo terminar. As ideias estão confusas, o vocabulário está pobre. Tenho comigo que este bloqueio ocorre devido a fase de rede vazia. Mantenho a esperança que quando conseguir achar meu caminho nesta estimada área e voltar a conviver com pessoas que de fato me sintonizo, as palavras fluirão novamente.
Sinto falta do ambiente da faculdade. Era onde eu mais gostava de estar porque ali encontrava cabeças pensantes e principalmente falantes. O silêncio não tem muita vez dentro de uma sala de aula. Ainda bem. Ali não é lugar para ele. Notei que escrevia muito mais no período universitário . Tinha dias de aulas tão sensacionais que a cabeça saía fervilhando e escrever era o único modo de desabafar e conseguir dormir. Percebi que depois das aulas passei a opinar usando argumentos tão sólidos, que algumas pessoas demonstravam até um certo receio em retrucar. Penso que se minha opinião causava isto, é porque alguma verdade ela tinha ou no mínimo fazia repensar. Mal sabiam elas que eu falava tão cheia de propriedade porque estava apenas imitando os meus professores.
E não deixei de ler para que a inspiração fosse embora, pelo contrário. Leio os jornais, confesso que mais via internet, mas leio. O problema é que quase sempre termino a leitura com uma sensação de que falta algo. Isto não acontecia em sala de aula, principalmente com alguns professores que elevei à categoria de Mestre. Mestres porque sabiam do que estavam falando. Tinham argumentos tão bons que faziam os alunos se olharem, dizendo: "que foda"! É como se o meu verdadeiro jornal fosse a sala de aula. Ali as informações eram completas, contextualizadas, profundas de fato. Sinto falta desse meu jornal diário. Da maneira como eram passadas as notícias. De ver esta arte sendo manuseada pelas mãos de quem sabe. A lição agora é aprender a me virar sem eles (vocês).
Sendo assim, o que posso concluir é: professores, vocês conseguiram ensinar a essência do jornalismo. Não sei o que vou enfrentar daqui pra frente e me assusta achar que não vejo na imprensa atual, o jornalismo que aprendi em aula, mas posso afirmar com uma certeza de alma que eu saí da faculdade sabendo o que é ser jornalista. Espero saber cumprir tão bem esta função.
Agradeço a todos os professores da forma mais simples, mas talvez mais sublime de se agradecer a alguém, principalmente aos jornalistas: com palavras. Sei que vocês recebem homenagens todo ano dos alunos gratos. Talvez já estejam até cansados disso tudo. Mereciam muito mais, mereciam uma remuneração tão bela quanto o trabalho de vocês. Mas, quem sabe estes dizeres de uma aluna agradecida e mudada, alimentem suas almas com aquela boa sensação de dever cumprido. De saber que estão conseguindo abrir o campo de visão de quem passa pela sala de aula de vocês. Imagino que deve ser isto o que de fato um professor almeja.
Existem pessoas que tem medo de elogiar. Pregam que o elogio alimenta o ego e envaidece o ser admirado. Sempre achei isso uma bobeira. A vida é muito curta para guardar dentro da boca palavras que dão ânimo à peleja do trabalhador. Assim como o dinheiro nos bonifica pelo trabalho, elogios sinceros e no tempo certo, bonificam a essência. É um tônico que empurra para a próxima.
Um dos meus maiores medos sempre foi que a morte levasse aqueles que abrilhantam minha vida sem que eles soubessem o quanto eram luz. Saibam então, queridos mestres, o quanto vocês me iluminaram!
Um dos meus maiores medos sempre foi que a morte levasse aqueles que abrilhantam minha vida sem que eles soubessem o quanto eram luz. Saibam então, queridos mestres, o quanto vocês me iluminaram!
Encerro lembrando que a nossa função mais difícil talvez não seja escrever, mas nunca perder a capacidade de se indignar, de ir atrás, de querer mostrar uma outra visão. E como estes dias vi no Facebook que: "ser jornalista é querer salvar o mundo mesmo sabendo que esta merda não tem mais jeito, não!" Que a gente prometa ser este o nosso exercício diário.
E que guardemos cravados no nosso coração uma das lições que considero de enorme valia, aprendida em Teoria da Comunicação: que mesmo quando parecer que o mundo está caminhando para o caos, se houver um apagão e toda tecnologia que temos hoje perder o seu valor, nós sempre teremos um ao outro se mantivermos as palavras.
Um salve à arte da comunicação! Obrigada!
quarta-feira, 1 de abril de 2015
"Elimine a causa que o efeito cessa"
Quando eu tinha 16 anos, fumava cigarro na escola porque aquilo era malandragem. Não tinha medo de briga. Encarava as pessoas, respondia, era meio revoltada (minha mãe que diz). Andava com gente que roubava "goró" no mercado para diversão de sexta-feira. E achava irado. Um dia quis fazer igual.
Sendo malandra, peguei um saquinho de confete de chocolate e coloquei no bolso.Uau, maior adrenalina. Mas, de repente lembrei da minha mãe. Lembrei do meu pai que já tinha morrido, mas naquele momento parecia materializado ali do meu lado e muito bravo. Vi o segurança na porta. Dei meia volta e coloquei minha malandragem de volta na prateleira. Não consegui.
Com 16 anos, não me lembro de medir as consequências, de saber o que sei hoje, nem de pensar que um dia enxergaria o mundo do jeito que hoje enxergo. Antes voltava sozinha de madrugada para casa com capuz na cabeça para acharem que eu era "perigosa" e não mexerem comigo. Hoje, não saio de casa sozinha tarde da noite nem que a tal vaca tussa. Têm-se muita coragem nesta idade. Isto é bom e ruim.
Com 16 anos não me lembro de ter personalidade bem formada e de ser até "maria vai com as outras", às vezes. Lembro das atitudes que tive em certas ocasiões e que hoje não faria igual de jeito nenhum. Lembro que responsabilidade e cuidado não eram sinônimos que faziam muito sentido e de achar legal um monte de coisa que só agora eu sei que não são tão legais assim. E não digo de responsabilidade em relação ao trabalho, porque já trabalhava nessa época. Digo dessa coisa de pensar no que se faz.
Com 16 anos, na boa, é mais digno assumir que não sabíamos nada da vida. Você lembra como você era? Passei pela adolescência sem consequências graves de fato. Só que eu tive mãe. Tive família e amor. Tive tempo de aprender. Tive amigos que tiveram isso tudo também, mas caíram mesmo assim. E tive outros que mesmo sem nada disso, andaram na linha. Questão de caráter, talvez. De "toda regra ter exceção".
Uma das coisas que aprendi também é a velha máxima "se coloque no lugar dos outros". Tão clichê e tão pouco usado. Morando na lama, convivendo com a miséria, nãos tão doloridos e tão cedo, eu confesso que não sei como lidaria com isso, ainda mais no furor da juventude. Vejo gente que tem tudo e fica revoltado com o preço do dólar (e com bem mais de 16 anos). Imagina a quem é negado o básico de todo o dia? É muito motivo pra ficar puto, não é? Me pego ficando por menos. Você não?
Uma das coisas que aprendi também é a velha máxima "se coloque no lugar dos outros". Tão clichê e tão pouco usado. Morando na lama, convivendo com a miséria, nãos tão doloridos e tão cedo, eu confesso que não sei como lidaria com isso, ainda mais no furor da juventude. Vejo gente que tem tudo e fica revoltado com o preço do dólar (e com bem mais de 16 anos). Imagina a quem é negado o básico de todo o dia? É muito motivo pra ficar puto, não é? Me pego ficando por menos. Você não?
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| As chances dessa criança na vida são as mesmas de quem estudou digamos, na Escola Americana? |
Crimes deveriam ser julgados pela gravidade, não pela idade. Um garoto que estupra e mata não pode ficar impune, assim como alguém de 40 anos que comete o mesmo ato também não. O fato é que os maiores crimes não são dessa natureza no Brasil. Aí está o problema de se enquadrar todos no mesmo quadrado.
O ser humano é basicamente feito de emoções. E que emoções são criadas na cabeça de crianças sem pais, sem amor, sem comida, sem educação? Você seria quem é, nascido nessas condições descritas acima? Eu respondo por mim: eu acho que eu não. Se a gente é o que nos ensinam, o que será que eu teria aprendido? E se minha família não fosse esta?
Será que todos que estão na cadeia são mesmo tão maus assim? Não poderiam ali existir pais de família desesperados? Jovens inconsequentes? Falta de educação? Se vivesse por um tempo a vida de um desses homens, será que também não se enxergaria tendo a mesma atitude que o jogou na cadeia?
| Qual o tamanho do abismo entre eles e você? |
A cadeia no Brasil não é um lugar para se restabelecer seres humanos de volta à sociedade, é apenas um depósito de gente que causa problema. Não há intenção de tentar melhorá-los.
Tapa na cara e "seu merda" lhe instigariam a se tornar um bom rapaz?
Com o tempo, todos endurecemos a casca porque a vida apronta e machuca todo mundo. Mas tem gente que já nasce na dureza cedo demais. E é uma dureza que talvez a gente morra sem conhecer. É fácil ser mau nessas condições. Sem elas, a dureza amolece.
Cadeia é agir no efeito. Educação é agir na causa. É difícil ver isso?
Jogar jovens de 16 anos numa cela é tirar deles um tempo precioso de aprendizado e maturidade. É cobrar algo que não foi ensinado. É continuar abrindo mão do direito básico à educação. É tirar do governo a culpa que eles tem com essa juventude. Enquanto eles vão morrer presos ou pouco tempo depois que saírem, nascerão mais meninos nas mesmas condições que os levaram por estas portas. Logo serão jovens que caminharão pelo mesmo caminho dos que já se foram. É um ciclo que não tem fim. Redução da maioridade penal é mesmo a solução?
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| Seu filho? |
Não posso dizer que tenho dó do moleque que me rouba, tenho medo e saio correndo quando percebo alguém com esta intenção. Mas, sinto-me na obrigação de ver que ele é o efeito do que vem de cima, ou melhor, do que deveria vir, mas não chega. Sendo assim, essa luta que a sociedade cravou não está contra as pessoas erradas?
"Quando for roubar dinheiro público vê se não se esqueça que na sua conta tem a honra de um homem envergonhado ao ter que ver sua família passando fome". Assim canta Mv Bill em Só Deus Pode Me Julgar.
Quase ninguém nasce mau, tirando os casos de psicopatia. Ele brota em terreno fértil que esse cenário triste produz.
"Quando for roubar dinheiro público vê se não se esqueça que na sua conta tem a honra de um homem envergonhado ao ter que ver sua família passando fome". Assim canta Mv Bill em Só Deus Pode Me Julgar.
Quase ninguém nasce mau, tirando os casos de psicopatia. Ele brota em terreno fértil que esse cenário triste produz.
Me pego em conversas de bar imaginando como seria o mundo sem pobreza. Ela não é algo natural, é imposta por este sistema egoísta que criamos desde sempre.
A miséria explica a violência. Creio que para ela, tenha perdão. Já para o mau caratismo, o caminho deve ser mesmo o inferno.
Uma lembrança
Há um tempo, um vídeo de uma propaganda tailandesa viralizou na internet com legendas "cuti cuti". Os mesmos indivíduos que diziam: "o mundo precisa de mais pessoas assim", dias depois, aplaudiam miss Sheherazade e vociferavam contra o menino de 15 anos amarrado num poste e espancado no Flamengo. Creio que elas não entenderam a mensagem do vídeo que elas mesmas compartilharam.
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